LEI NÃO PREVÊ RESERVA DE VAGA NO ENSINO SUPERIOR PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA (F)
Não existe legislação que determine reserva de vagas para deficientes físicos no ensino superior. Este foi o entendimento do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) ao analisar ação ajuizada por uma portadora de paralisia cerebral. Ela pretendia ingressar no curso de medicina da faculdade Meridional, de Passo Fundo (RS), pelo sistema de cotas. A decisão foi proferida na última semana.
A moradora do norte do estado entrou com mandado de segurança contra a entidade no início do ano. Ela ressaltou que já existe reserva de vagas para portadores de deficiência física em muitas instituições de ensino superior, assim como nos concursos públicos e, portanto, teria direito ao pedido.
A faculdade Meridional, que é privada, defendeu que as políticas de ações afirmativas se restringem às instituições públicas federais e compreendem apenas critérios étnicos e sociais, não se estendendo a pessoas com deficiência. O pedido da autora foi negado em primeira instância e ela a apelou contra a sentença. No entanto, a 4ª Turma do TRF4 manteve a decisão por unanimidade.
O relator do processo, desembargador federal Luís Alberto dAzevedo Aurvalle, ressaltou que “não há qualquer previsão legal que determine a reserva de vagas para deficientes físicos nas instituições de ensino superior”. O magistrado acrescentou que “não é possível que se faça analogia para aplicar as cotas para deficientes em concursos públicos garantida na Constituição Federal também para o ingresso nas universidades”.
Veja a íntegra da decisão:
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5002444-72.2015.4.04.7104/RS
RELATOR: LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE
APELANTE: THAFINI THOME
ADVOGADO: PATRICK FERRAO CUSTODIO
APELADO: COMPLEXO DE ENSINO SUPERIOR MERIDIONAL
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
EMENTA
ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. RESERVA DE VAGAS PARA DEFICIENTES FÍSICOS EM INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. ANALOGIA. IMPOSSIBILIDADE.
– Não há qualquer previsão legal que determine a reserva de vagas para deficientes físicos nas Instituições de Ensino Superior.
– Não é possível que se faça analogia no presente caso para aplicar a reserva de vagas para deficientes em concursos públicos garantida na Constituição Federal também para o ingresso nas Instituições de Ensino Superior.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 17 de novembro de 2015.
Desembargador Federal Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle
Relator
RELATÓRIO
Thafini Thomé impetrou mandado de segurança em que visa que o Complexo de Ensino Superior Meridional reserve “percentual mínimo de vagas para candidatos deficientes físicos, já nos próximos vestibulares, para todos os cursos oferecidos ou, subsidiariamente, para o curso de medicina, de interesse da Impetrante.” (evento 01 – “INIC1”).
Foi denegada a segurança.
A autora apelou. Requer:
seja dado PROVIMENTO ao presente RECURSO, para reformar a sentença prolatada, e conceder a segurança pleiteada: a) para que a Universidade de Passo Fundo destine percentual mínimo de vagas para candidatos deficientes físicos, já nos próximos vestibulares, para todos os cursos oferecidos ou, subsidiariamente, para o curso de medicina, de interesse da Impetrante.
Ficam, desde já, prequestionados os dispositivos legais e constitucionais apontados.
Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
O MPF, em seu parecer, opina “pelo desprovimento do apelo, pois no caso concreto, a recorrente não aponta a existência do dispositivo legal que seria violado pela ausência de previsão de reserva de vagas para deficientes nos editais para concurso vestibular na instituição impetrada, mantendo-se a sentença que denegou a segurança postulada.”
É o relatório.
VOTO
Entendo com razão tanto o Procurador Regional da República Waldir Alves, como a juíza Federal Joseane de Fátima Granja, que lavrou a sentença, motivo pela qual passo a trascrevê-la:
A fim de se evitar tautologia, entendo que devem ser ratificados os fundamentos expostos na decisão que indeferiu a liminar, proferida no evento 03. Com efeito, não vislumbro elementos aptos a infirmar o entendimento firmado naquela oportunidade. Transcrevo, assim, os fundamentos daquela decisão, no que pertinentes ao ponto ora enfrentado:
(…)
A concessão de liminar em mandado de segurança requer a coexistência de dois pressupostos, consubstanciados no art. 7º, III, da Lei 12.016/2009, quais sejam: a relevância do fundamento alegado pelo impetrante, que deve comprovar a violação do seu direito líquido e certo ou a sua iminente ocorrência – fumus boni juris -, assim como a possibilidade de ineficácia da medida se concedida apenas ao final – periculum in mora -, em segurança definitiva.
Na hipótese dos autos, a liminar postulada deve ser indeferida, uma vez que ausentes os requisitos necessários a sua concessão.
Com efeito, entendo que não restou demonstrado, de plano, a existência de qualquer ato ilegal ou abusivo da autoridade coatora ao não prever, nos concursos vestibulares da Instituição, a reserva de vagas a pessoas portadoras de necessidades especiais, a míngua de qualquer diploma legal que estabeleça tal obrigatoriedade.
A Lei nº 12.711/2012 dispõe sobre o ingresso nas Universidades Federais e nas Instituições Federais de Ensino Técnico de nível médio, estabelecendo percentual mínimo de vagas aos candidatos egressos da rede pública de ensino, bem como a alunos de baixa renda e a candidatos que se autodeclararem pretos, pardos e indígenas. Tal legislação não estabelece nada a respeito da reserva de vagas aos portadores de deficiência.
De igual modo, o Decreto nº 3.298/99, invocado pela impetrante na inicial, dispõe que as instituições de ensino superior deverão oferecer adaptações de provas e os apoios necessários ao aluno portador de deficiência, inclusive tempo adicional para realização das provas, não impondo, porém, nenhuma obrigatoriedade de vagas no processo seletivo.
Por sua vez, o inciso VIII do art. 37 da Constituição Federal determina que a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão.
Contudo, essa norma faz referência ao ingresso no serviço público, situação diferente do ingresso no ensino superior. A norma dispôs expressamente a respeito de cargos e empregos públicos, não sendo possível a interpretação analógica desse dispositivo constitucional para aplicação no concurso para ingresso em instituição de ensino superior.
Além do mais, dispõe o art. 207 da Constituição Federal que as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial. Assim, face à ausência de disposição legal, a reserva ou não de vagas a portadores de necessidades especiais se constitui em manifestação da autonomia universitária conferida constitucionalmente às instituições de ensino superior, cabendo ao Poder Judiciário invadir tal seara, interferindo no disposto no Edital do concurso.
Neste sentido, cito o seguinte precedente:
EMENTA: ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRETENSÃO DE VER IMPLEMENTADO O SISTEMA DE COTAS AOS PORTADORES DE NECESSIDADES ESPECIAIS EM UNIVERSIDADE PÚBLICA TAL COMO SE DÁ A RESERVA DE VAGAS EM CONCURSOS PÚBLICOS. INVIABILIDADE. 1. Diante da ausência de lei regulamentando a reserva de vagas aos portadores de necessidades especiais, e frente a autonomia das Universidades, resta que a matéria controvertida excede as atribuições do Judiciário, que não pode estabelecer políticas de inclusão social, sob pena de usurpação de competência atribuída pela Constituição Federal aos demais Poderes. 2. Inaplicável ao caso concreto o disposto no art. 37, VI, da CF/88, porquanto muito embora tal ação afirmativa, orientada pelo legislador originário, tenha objetivado a integração da pessoa com deficiência no mercado de trabalho, trata-se de hipótese severamente distinta da pretendida reserva de vagas em universidades, o que impede a interpretação elastecida do dispositivo constitucional. (TRF4, AC 2008.70.00.005150-1, Terceira Turma, Relatora Maria Lúcia Luz Leiria, D.E. 29/04/2011)
A Lei 13146/15 publicada 06.07.2015 e em vigor, em regra, após 180 dias da publicação, instituiu a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), mas, também, não criou a obrigação para as instituições de ensino superior de reservarem um percentual de suas vagas nos termos postulados neste processo, apenas, normatizou os critérios que deverão ser observados durante o processo seletivo, in verbis:
Art. 30. Nos processos seletivos para ingresso e permanência nos cursos oferecidos pelas instituições de ensino superior e de educação profissional e tecnológica, públicas e privadas, devem ser adotadas as seguintes medidas:
I – atendimento preferencial à pessoa com deficiência nas dependências das Instituições de Ensino Superior (IES) e nos serviços;
II – disponibilização de formulário de inscrição de exames com campos específicos para que o candidato com deficiência informe os recursos de acessibilidade e de tecnologia assistiva necessários para sua participação;
III – disponibilização de provas em formatos acessíveis para atendimento às necessidades específicas do candidato com deficiência;
IV – disponibilização de recursos de acessibilidade e de tecnologia assistiva adequados, previamente solicitados e escolhidos pelo candidato com deficiência;
V – dilação de tempo, conforme demanda apresentada pelo candidato com deficiência, tanto na realização de exame para seleção quanto nas atividades acadêmicas, mediante prévia solicitação e comprovação da necessidade;
VI – adoção de critérios de avaliação das provas escritas, discursivas ou de redação que considerem a singularidade linguística da pessoa com deficiência, no domínio da modalidade escrita da língua portuguesa;
VII – tradução completa do edital e de suas retificações em Libras.
Assim, diante da inexistência de previsão legal ou decisão dos órgãos diretivos da universidade/impetrada, descabida a intervenção judicial para criar direitos ou formular políticas públicas, sob pena de violar o princípio da separação dos poderes e a autonomia universitária.
Por fim, não é demais salientar que o entendimento adotado por ocasião do indeferimento da liminar parece pacificado no âmbito do Tribunal Regional da 4ª Região. Nesse sentido, além do precedente citado acima, transcrevo, a título exemplificativo, as seguintes ementas:
MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. CONCURSO VESTIBULAR. PORTADOR DE DEFICIÊNCIA FÍSICA. RESERVA DE VAGA. DENEGAÇÃO DA ORDEM. SENTENÇA MANTIDA. A Lei nº. 12.711/2012, regulamentada pelo Decreto nº. 7.824/2012, que dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e instituições federais de ensino técnico de nível médio não prevê reserva de vagas para portadores de deficiência física nas instituições federais. A denegação da ordem no presente mandado de segurança não viola as leis federais vigentes ou mesmo a Constituição Federal, uma vez que as normas existentes tratam da reserva de vaga para provimento de cargos públicos e não de ingresso em instituição de ensino. (TRF4, AC 5018973-43.2013.404.7200, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão Luís Alberto D’azevedo Aurvalle, juntado aos autos em 19/03/2014)
ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESERVA DE VAGAS PARA DEFICIENTES FÍSICOS EM INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. ANALOGIA. IMPOSSIBILIDADE. – Não há qualquer previsão legal que determine a reserva de vagas para deficientes físicos nas Instituições de Ensino Superior. – Não é possível que se faça analogia no presente caso para aplicar a reserva de vagas para deficientes em concursos públicos garantida na Constituição Federal também para o ingresso nas Instituições de Ensino Superior. (TRF4, AG 5023537-34.2013.404.0000, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão Luís Alberto D’azevedo Aurvalle, juntado aos autos em 14/11/2013)
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ENSINO SUPERIOR. UNIVERSIDADE FEDERAL. PRETENSÃO DE COMPELIR INSTITUIÇÃO OFICIAL A ADOTAR COTAS PARA DEFICIENTES FÍSICOS NOS CONCURSOS VESTIBULARES. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. Na esfera de proteção formatada pelo constituinte de 1988, não se vislumbra o acesso privilegiado dos deficientes ao ensino superior, sendo inviável a aplicação analógica do art. 37, VIII, da Constituição Federal. Hipótese em que se pretende compelir a Universidade Federal do Rio Grande a reservar 5% das vagas, para deficientes físicos, nos exames vestibulares da instituição. Ausente previsão legal ou decisão dos órgãos diretivos da universidade, descabida a intervenção judicial para criar direitos ou formular políticas públicas, sob pena de violar o princípio da separação dos poderes e da autonomia universitária. Cabe ao constituinte e ao legislador infraconstitucional identificar na sociedade brasileira quais as minorias que devem receber a proteção estatal. As ações afirmativas para mulheres, deficientes físicos, idosos, deficientes mentais e minorias raciais devem ser implementadas normativamente pelos Poderes Executivo e Legislativo. Ao Poder Judiciário cabe o controle posterior da legalidade e da proporcionalidade. Os vários diplomas normativos editados pelo Congresso Nacional e pelo Poder Executivo para proteção e integração dos deficientes físicos na comunidade, revelam inexistir omissão relevante capaz de autorizar a atuação judicial integrativa. Apelação desprovida. (TRF4, AC 2005.71.01.002957-8, Terceira Turma, Relator Fernando Quadros da Silva, D.E. 08/10/2010)
Pelo exposto, deve ser denegada a segurança. Incabível, contudo, a condenação da impetrante em honorários advocatícios, nos termos do art. 25 da Lei nº12.016/2009.
Assim, como acima referido, entendo ser caso de manter a sentença na íntegra, razão pela qual nego provimento à apelação.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
Desembargador Federal Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle
Relator