APLICAÇÃO DO TESTE DE AVALIAÇÃO – REPROVAÇÃO DO ALUNO PORTADOR DE DEFICIÊNCIA FÍSICA – POSSIBILIDADE (F)
Processo nº 0024.12.301.686-7
Ação de Indenização
Autor: Émerson Gil Tremea e outros
Réu : Educadora Itapoã Ltda
Ementa: Escola particular. Aluno reprovado em teste de seleção, por insuficiência de conhecimento básicos em língua portuguesa e matemática. Alegação de discriminação, por seu o estudante portador de síndrome de asperger. Prova dos autos que demonstra que a recusa de matrícula foi de natureza técnica, sem mínima conduta discriminatória. Escola particular que não está obrigada a fazer inclusão de alunos sem conhecimentos suficientes a cursar determinada série de ensino fundamental ou básico. Ausência de conduta ilícita. Dano moral não incidente.
Vistos, etc.
Trata-se de Ação de Indenização a título de danos morais, proposta por Émerson Gil Tremea, Celita Maria Tomquelski e Gabriel Tomquelski Tremea, em desfavor da Educadora Itapoã Ltda, dizendo os os 2 primeiros autores que têm dois filhos, sendo Gabriel e Thiago. E que moravam em outro Estado da Federação, e foi o primeiro autor transferido para BH. E que Gabriel é portador de Síndrome de Asperger, e os dois filhos do casal tencionavam estudar na escola ré. Cientificaram do problema de saúde de um dos filhos. Após conversa e teste, e já preparando material de matrícula, foi esta recusada quando a Gabriel, em ato ilegal e abusivo. Procuraram a Secretaria de Educação, e foram informados que era obrigatória a aceitação do aluno, sob pena de crime, conforme Lei 7.853/89. Assim, sentiram ofendidos e discriminados, com grande constrangimento face conduta preconceituosa da ré, e tecem considerações sobre problemas de síndrome de asperger e pedem indenização por danos morais. Juntam documentos.
Citada, a ré contestou às fls. 55/65. diz que já prestou esclarecimentos ao Ministério Público sobre os fatos em questão. Diz que a escola adota sistema de teste para alunos que vêm de fora, isto é, oriundos de outras escoas. A questão é da meritocracia, e somente após aprovação no teste é que são aceitos para matricular. E que Gabriel não foi aprovado no teste de capacidade para a série que concorreu – 8ª série. A recusa se deu por questão de mérito, e não por ser portador de síndrome de asperger. Afirma que Gabriel não demonstrou conhecimentos mínimos em língua portuguesa e matemática. Afirma que não tem obrigação de contratar e que não se confunde com o Poder Público. Cita trechos de votos do STF da ADI 1081-6-DF. Nega ser caso de dano moral. Pede improcedência da ação. Junta documentos.
Réplica de fls.98/104, rebatendo teses da defesa e que a questão de mérito previsto na CF não se aplica a ensino especial e que não foi apresentada justa causa para a recusa da matrícula do autor Gabriel na escola ré.
Deferidas provas orais com audiência de fls. 139, oitiva do Diretor Geral da ré e de uma testemunha arrolada pelos autores, fls. 140/141.
Juntada de documentos na abertura da audiência, com ciência das partes.
Alegações finais em forma de memoriais.
O RMP acompanhou toda a tramitação do feito, e em parecer final é pela improcedência da ação, fls.165/173.
É o relatório, em síntese. Segue DECISÃO.
Processo em ordem. Nada a sanear.
Como se vê dos autos, o casal autor tem dois filhos, sendo Gabriel, ora também autor, e Thiago. Ao se transferir para BH, em face de trabalho do varão, houve interesse de matricular filhos em escola da região. Atendidos na escola ré, a prole se submeteu a teste de capacidade. Gabriel concorreu para a 8ª Série, e não foi aprovado, porque não teve os conhecimentos necessários para a frequência de autos.
O adolescente Gabriel é portador da Síndrome de Asperger, e tem dificuldade de aprendizado em algumas disciplinas ou matérias e facilidades em outras, como esclareceu a inicial. No caso do colégio réu o teste foi de conhecimentos básicos em língua portuguesa e matemática, não logrando ele aprovação ou desempenho necessário, para cursar a série pretendida.
Não há abuso ou discriminação indevida pela ré em face da recusa de matrícula de Gabriel na 8ª séria, já que a negativa não se deu, a toda evidência, em face de ser ele portador de Síndrome de Asperger, e sim, pela falta de desempenho necessário, e certamente não acompanharia os colegas nos rendimentos de testes e provas semestrais.
A responsabilidade civil, embora escorada no mundo fático, tem sustentação jurídica. Depende da prática de ato ilícito e, portanto, antijurídico, cometido conscientemente, dirigido à um fim, ou orientado por comportamento irrefletido, mais informado pela desídia, pelo açodamento ou pela inabilidade técnica, desde que conduza a um resultado danoso no plano material, imaterial ou moral.
Nestes termos, cumpre analisar os elementos ensejadores da responsabilidade civil decorrente de dever jurídico, quais sejam, conduta ilícita, dano e nexo de causalidade entre a conduta e o dano; a fim de verificar a caracterização ou não dos mesmos no caso dos autos.
O Código Civil, em seu artigos 186 e 187, conceituou ato ilícito, para fins de responsabilidade civil, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência ou abuso de direito.
Para que se configure o ato ilícito que enseja a reparação in casu, é necessário que simultaneamente ocorram as seguintes situações: (1) fato lesivo voluntário, causado pelo agente, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência (RTs 443/143, 450/65, 494/35, 372/323, 440/74, 438/109, 440/95, 477/111 e 470/241); (2) ocorrência de um dano patrimonial ou moral, cumuláveis as indenizações por dano material ou moral decorrentes do mesmo fato (RTs 436/97, 433/88, 368/181, 458/20, 434/101, 477/247, 490/94, 507/95) e (3) nexo de causalidade entre o dano e o comportamento do agente (RTs 477/247, 463/244, 480/88, 481/211, 479/73 e 469/84).
A indenização, pois, depende de ser a conduta do respectivo causador enquadrada na tipicidade do ato ilícito, onde a culpa se manifesta como “a fonte da responsabilidade”. Isso quer dizer que, localizando-se a sede da matéria no artigo 186 do CC, “o âmago da responsabilidade está na pessoa do agente, e seu comportamento contrário ao direito”, in Caio Mário, Responsabilidade Civil, 2ª ed, Rio, Forense, 1990, n. 31, p. 38).
Assim, é que o dever ressarcitório se relaciona com o descumprimento de uma obrigação, nascida da lei ou do contrato, de maneira que o infrator deve indenizar o prejuízo da vítima, “porque cometeu uma infração a um dever de conduta”(Cf SAVATIER, “Traité de La Responsabilité Civile, V. I. n. 49).
É que não é apenas o dano da vítima a fonte da responsabilidade civil, mas, a ligação desse prejuízo com uma conduta ilegítima ou censurável do réu, numa relação necessária de causa e efeito e como bem posto no parecer do RMP de fls. 169/171:
”A garantia de atendimento especializado a criança com deficiência está revista no artigo 208 da Constituição, mas refere-se apenas à rede pública de ensino, sem qualquer regulamentação para instituições privadas. No mesmo sentido, dentre outras, o Decreto 3.289/99 e Lei 7.853/89.
E com toda razão1. Aquela norma não se aplica às instituições de ensino privadas, “sob pena de inviabilizar o seu funcionamento ou tornar excessivamente elevadas as prestações dos cursos que oferecem, onerando todos seus alunos, indistintamente” (fls. 95).
[…].
A Lei 7853/89, lembrada na peça de ingresso, prevê sim como conduta criminosa “recusar, suspender, procrastinar, cancelar ou fazer cessar, sem justa causa, a inscrição de aluno em estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado, por motivos derivados da deficiência que porta” (art. 8º – destaque do RMP), valendo lembrar que o estabelecimento da ré não é adequado para o recebimento de pessoas portadoras de necessidades especiais” ( fls. 169/171, Dr. Odélio Bento da Silva Júnior, Promotor de Justiça).
Quanto à invocação e alegações finais do artigo 7º da Lei nº 12.764 DE 27/12/2012 – DOU 28/12/2012 (fls. 161), de se ver que a recusa ao aluno não foi em razão de ser portador da Síndrome de Asperger, e sim por não atender aos requisitos mínimos do teste de avaliação, questão nitidamente meritória da avaliação, e não discriminatória em face de doença ou moléstia equivalente.
Praticamente, culpa se manifesta de variadas maneiras, mas ontologicamente sua conceituação é unitária, pois todas as suas formas não passam de modalidades de caracterizar-se um só fenômeno, ou seja a violação de um dever preexistente. Para se cogitar, enfim, do ato ilícito e da consequente responsabilidade indenizatória, deve-se considerar o agente como autor de uma conduta indevida, porque procedendo contra o direito, causou dano a outrem, daí que:
“Para que surja a obrigação de reparar, mister se faz prova da existência de uma relação de causalidade entre a ação ou omissão culposa do agente e o dano experimentado pela vítima. Se a vítima experimentar um dano, mas não se evidenciar que o mesmo resultou do comportamento ou da atitude do réu, o pedido de indenização formulado por aquela, deverá ser julgado improcedente” (RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil – Responsabilidade Civil, Vol. IV, SP, Saraiva, 1986, p. 18).
“Mas não basta a afirmação da vítima de ter sido atingida moralmente, seja no plano objetivo como no subjetivo, ou seja, em sua honra, imagem, bom nome, tradição, personalidade, sentimento interno, humilhação, emoção, angústia, dor, pânico, medo e outros. Impõe-se que se possa extrair do fato efetivamente ocorrido o seu resultado, com a ocorrência de um dos fenômenos acima exemplificados. (…). De sorte que o mero incômodo, o enfado e desconforto de algumas circunstâncias que o homem médio tem de suportar em razão do cotidiano não servem para a concessão de indenizações, ainda que o ofendido seja alguém em que a suscetibilidade aflore com facilidade…” (Rui Stoco, Tratado de Responsabilidade Civil, 6ª ed., Revista dos Tribunais, p. 1381).
Tem-se, destarte, que, no direito privado, a responsabilidade civil, consubstanciada no dever de indenizar o dano sofrido por outrem, advém do ato ilícito, resultante da violação da ordem jurídica com ofensa ao direito alheio e lesão ao respectivo titular, exigindo o pedido indenizatório, fundado em prejuízo material, ou moral, à sua eficácia, a caracterização da responsabilidade aquiliana, que demanda prova de ação ou omissão, dolosa ou culposa, do agente, além do nexo causal entre o comportamento danoso e a lesão que resultará, características estas que se assentam na teoria subjetiva ou da culpa, em cuja etiologia tem-se presentes três elementos essenciais, a saber, o evento contrário ao direito, o prejuízo e o liame causal.
Finalmente, de se frisar que este juiz é sensível ao problema vivido pelo casal autor e da mesma forma quanto a adolescente Gabriel, com frustração de não terem os dois filhos matriculados na escola ré, mas esta não cometeu ato ilícito, capaz de gerar danos morais vindicados na inicial.
Posto isso,
Nos termos do artigo 269, I do CPC, julgo improcedente o pedido inicial,
condenando os autores nas custas processuais e mais R$ 500,00 a título de
honorários advocatícios, na forma do artigo 20, § 4º do CPC, face princípio da
causalidade.
1R. I.
Belo Horizonte, 22 de maio de 2014.
GERALDO DAVID CAMARGO
Juiz de Direito – 30ª Vara Cível