Jurisprudência
15 jun 15 18:53

Empresa que comprova dificuldade de contratar deficientes deixa de ser condenada

 Em recente decisão, o Egrégio Tribunal Regional do Trabalho de Brasília absolveu a empresa Cascol Combustíveis para veículos que comprovou carência na oferta de mão-de-obra para o tipo de serviço que oferece.

A acusação do Ministério Público foi de que a empresa não estava envidando esforços para cumprir o art. 93 da Lei 8.213/91, que determina a admissão de um determinado percentual de empregados portadores de deficiência.

Entendeu o magistrado, após bem demonstrado, que a empresa tinha dificuldades na contratação dessa mão-de-obra não só pela falta de profissionais, como também pelas peculiaridades da atividade.

Colaciona-se abaixo a referida decisão para analíse:




PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA DO TRABALHO

TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO – 10ª REGIÃO

14ª VARA DO TRABALHO DE BRASÍLIA

 Proc. n° 1548/2013 – 14ª V. T Brasília – DF

 ATA DE AUDIÊNCIA

 Aos 08 dias do mês de maio do ano de 2015, na sala de sessões da 14ª Vara do Trabalho de Brasília (DF), sob a direção do Exmo. Juiz do Trabalho Titular, Dr. ERASMO MESSIAS DE MOURA FÉ, realizou-se a audiência de julgamento relativa ao Processo n° 0001548-63.2013.5.10.0014, entre as partes: MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO (MPT 10ª REGIÃO), reclamante, e CASCOL COMBUSTÍVEIS PARA VEÍCULOS LTDA, reclamada.

 Às 17h04min, aberta a audiência, de ordem do Sr. Juiz do Trabalho, foram apregoadas as partes. Presentes as que ao final assinam.

 SENTENÇA

 Vistos.

 MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO (MPT 10ª REGIÃO) ajuizou em 19/09/2013 Ação Civil Pública em desfavor da CASCOL COMBUSTÍVEIS PARA VEÍCULOS LTDA, aduzindo que as empresas do grupo não cumprem a cota de contratação de pessoas portadoras de deficiência e/ou reabilitadas (PCD’s), nos moldes exigidos pelo artigo 93 da Lei nº 8.213/91, omissão que ocorre desde o ano de 2005. Requereu a antecipação da tutela para a condenação dela na obrigação de fazer concernente ao cumprimento do que determina a lei, sob pena de multa diária. Em caráter definitivo pediu a ratificação da tutela antecipada bem como a condenação na obrigação de pagar indenização por danos morais coletivos. Deu à causa o valor de R$ 1.000.000,00. Juntou documentos.

 Indeferido o pedido de antecipação da tutela (fl. 181).

Regularmente notificada, compareceu a reclamada à audiência designada, na qual apresentou defesa escrita com documentos. Arguiu a ilegitimidade ativa e a falta de interesse de agir. No mérito afirmou que intenta cumprir a norma legal, porém, não existem pessoas com deficiência ou reabilitadas interessadas nas vagas de trabalho oferecidas pela empresa, que atua na comercialização de combustível (fl. 214).

 Impugnou o autor os termos da contestação (fl. 659).

 Nas audiências em prosseguimento, colheu-se o depoimento de duas testemunhas (fls. 703 e 730).

 Foram juntados mais documentos, com manifestações recíprocas.

Sem outras provas encerrada a instrução processual.

 Razões finais remissivas.

 Tentativas conciliatórias rejeitadas.

É o relatório.

FUNDAMENTAÇÃO

  1. CARÊNCIA DE AÇÃO – ILEGITIMIDADE ATIVA e INTERESSE PROCESSUAL

A carê ncia de ação se verifica quando não estão presentes uma ou mais das condições exigidas para o exercício do direito de ação, tal a possibilidade jurídica do pedido, a legitimidade para ser parte e o interesse de agir. Estas condições devem ser examinadas em abstrato, sem que o julgador se imiscua no mérito da causa.

 O Autor, Ministério Público do Trabalho, noticiou em seu libelo que as empresas do Grupo Cascol não cumprem a cota de contratação de pessoas portadoras de deficiência e/ou reabilitadas (PCD’s), nos moldes exigidos pelo artigo 93 da Lei nº 8.213/91, e por isso, vindicou a condenação da reclamada na obrigação de cumprir essa norma legal e de pagar indenização por danos morais coletivos.

 Tem ele, sim, legitimidade ativa para a ação e existe interesse processual.

Como aduzido na réplica, o artigo 129 da Constituição Federal, ao dispor sobre a promoção da ação civil pública (inciso III), não repartiu a função institucional entre os vários Ministérios Públicos, mas assegurou a qualquer deles “a prerrogativa de exercê-la para a proteção de interesses difusos e coletivos que se façam presentes em seu âmbito de atuação”. Não há contradição entre esse dispositivo constitucional e o artigo 83, inciso III da LC 75/93. O artigo 128, § 5º da Constituição Federal dá suporte à repartição de tarefas (fl. 661).

 De fato, como afirmou o Autor, os direitos tratados nesta ação não são individuais, ainda que homogêneos, mas direitos difusos, “de natureza indivisível, titularizados por pessoas indetermináveis, ligadas entre si por uma mesma circunstância de fato que, in casu, é a de serem portadoras de deficiência” (fl. 663).

 Aplica-se o contido no artigo 81 da Lei nº 8.078/90.

 Nesse contexto, indubitavelmente, “o Ministério Público ostenta legitimidade para promover a Ação Civil Pública, consoante consta do art. 129, inc. III, da Constituição e do art. 5º, inc. I, da Lei 7.347/1995”, sendo esta ação o meio processual útil para a “defesa dos direitos sociais constitucionais dos trabalhadores, como preveem o art. 6º, inc. VII, alíneas “a” e “d” e art. 83, inc. III, da Lei Complementar nº 75/1993” (fl. 664).

Quanto ao interesse de agir, é patente sua presença, pois incumbe ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, na forma do art. 127 da Constituição Federal, e é exatamente o que ele intenta fazer, ao vindicar o cumprimento pela ré do contido no artigo 93 da Lei nº 8.213/91. O artigo 3º da Lei nº 7.853/89 também evidencia o interesse processual do Parquet.

 Em tais condições, afasto as proeminais arguidas.

  1. OBRIGAÇÃO DE FAZER – CONTRATAÇÃO DE TRABALHADORES PORTADORES DE DEFICIÊNCIA E/OU REABILITADAS – PERCENTUAL DO ART. 93 DA LEI 8.213/91 – DIFICULDADE DE CONTRATAÇÃO – CULPABILIDADE

 Em síntese, aduziu o Autor que a reclamada, incluindo todas as empresas que integram o grupo econômico, não cumpre a cota de contratação de pessoas portadoras de deficiência e/ou reabilitadas (PCD’s/PNEs), nos moldes exigidos pelo artigo 93 da Lei nº 8.213/91, omissão que ocorre desde o ano de 2005. Requereu a condenação dela na obrigação de fazer concernente ao atendimento da norma.

 A reclamada alegou que tenta cumprir a norma legal, porém, apesar de todos os esforços, incluindo anúncios em jornais, exposição de faixas e redução pela metade da carga horária, “não existem PCD’s interessadas nas vagas de trabalho oferecidas pela empresa, que atua na comercialização de derivados de petróleo (posto de gasolina)”.

 Tornou-se incontroverso que a empresa, para cumprir a cota de que trata o artigo 93 da Lei nº 8.213/91, teria de possuir em seu quadro de pessoal mais de 90 (noventa) trabalhadores portadores de deficiência e/ou reabilitados (PCD’s/PNEs). Entretanto, não atendeu ao dispositivo legal nos últimos 10 (dez) anos (2005 a 2015), eis que admitiu poucos laboreiros nessa condição (uns 20 em média), situação que ainda persiste.

 Nesse contexto, atraiu a ré o encargo da prova do fato alegado na defesa, impeditivo do direito do autor, qual seja, a inexistência de PCD’s interessadas nas vagas de trabalho oferecidas (CPC, art. 333 II).

 Tenho que se desincumbiu desse ônus.

Assente que a empresa juntou vários documentos com a defesa (fls. 245/592), os quais – como admitido pelo Autor – consistem em “ofícios enviados a órgãos públicos que possuem cadastros de pessoas com deficiência (fls. 245/246), cadastro de vagas para pessoas com deficiência junto ao Ministério do Trabalho e Emprego (fls. 250), ofícios enviados a entidades voltadas para a inserção social de pessoas com deficiência (fls. 254/292), pedidos de emprego e respectivas avaliações em processo seletivo feito pela Ré (fls. 295/374), anúncios em jornais (fls. 375/401), foto de divulgação das vagas em vários postos de combustíveis integrantes da rede empresária (fls. 405/591)” (fl. 667), tudo a evidenciar a promoção de medidas para cumprir a cota legal de inclusão no mercado de trabalho de pessoas portadoras de deficiência.

 A testemunha Késia Miriam corroborou a assertiva. Disse ela:

 Que a depoente trabalha no INSS, na área de reabilitação profissional; que, no ano de 2011, as reclamadas fizeram contato com o INSS, oportunidade em que a depoente era a responsável pelo serviço de reabilitação profissional do INSS; que, ao receber o contato das reclamadas, em busca de orientação sobre os funcionários que estavam afastados da empresa e como eles poderiam ser reabilitados para ocupar a cota legal; que a depoente, como desenvolvia função gerencial, delegou a um orientador profissional a demanda das reclamadas; (…) que o fato de empresas procurarem o setor de reabilitação profissional é bastante rotineiro, tendo em vista a necessidade de atingimento das cotas de reabilitados ou pessoas com deficiência nos postos de trabalho (fl. 703).

 Quanto a ineficácia dessas medidas para atingir o desiderato social, a testemunha José Afonso comprovou a tese defensiva de que não decorreu de culpa da reclamada, mas sim em razão da ausência de trabalhadores com deficiência interessados ou com habilidades param laborar em sua atividade econômica – posto de combustível -, seja pelo risco da profissão (assaltos), seja pelo temor de perder um benefício social que já aufere (aposentadoria especial, bolsas).

 Disse o Sr. José Afonso (cadeirante), em depoimento convincente:

 Nunca trabalhei para a reclamada; eu era do Comitê Paraolímpico, como Presidente do Conselho Fiscal do Comitê Paraolímpico Brasileiro de 2009 a 2012; atualmente estou aguardando o deferimento da minha aposentadoria pelo INSS; não mais participo o Comitê Paraolímpico; eu fui Presidente da Associação Movimento Habitacional e Cidadania da Pessoa com Deficiência, com sede em Ceilândia, por 4 anos, durante o período em que era membro do Comitê Paraolímpico; fui também 2º Secretário da Confederação Brasileira de Basquetebol em Cadeiras de Rodas, de 2009 a 2012 também; eu tinha esses 3 cargos; como Presidente da Associação, eu realizava trabalhos de inclusão de pessoas com deficiência; quando eu viajava, o Vice-Presidente assumia a Associação; durante a minha gestão, fui procurado por várias empresas, inclusive as empresas do grupo Cascol, para indicação de trabalho; o grupo Cascol me procurou várias vezes e eu indiquei várias pessoas para trabalhar com eles, em torno de 40 pessoas nos 4 anos da minha gestão; eles pediam currículos e selecionavam as pessoas com deficiências que queriam contratar; a Cascol me pediu várias vezes essas indicações; muitas vezes o deficiente ia mas não queria ficar, porque já tinha aposentadoria especial; muitas vezes eles não queriam a vaga de Frentista pelo perigo e assalto; quando falava que era para trabalhar em posto de gasolina, não queriam, mas teve alguns que ficavam; o pro blema é que muitas vezes eles não retornavam na Associação para dar o retorno, apareciam, eu fazia a indicação e, depois, desapareciam; a demanda de emprego era maior do que a procura porque muitas vezes o deficiente não quer o emprego para não perder o benefício previdenciário; há muita dificuldade de se preencher as vagas disponíveis para deficiente, o que acontece aqui no Distrito Federal e no Brasil todo; quando falava que tem emprego na Cascol, a grande maioria dizia “posto eu não quero”; por exemplo, “Você pode ir na Associação hoje e tem uns 20 deficientes lá, mas se falar que tem vaga na Cascol, ninguém  quer”; escutei várias vezes eles falarem que, se for trabalhar, perdem o benefício; daí sobra vaga também em outras empresas; por exemplo, o Hospital Santa Helena uma vez pediu 10 pessoas, mandei dez deficientes mas nenhum ficou; o público alvo da associação são os deficientes de todo o Distrito Federal; existia 19.000 associados; nas reuniões em cada cidade satélite havia 200, 300, 400, 1.000 a 2.000 pessoas; a Cascol pedia deficiente, mas quando eu falava que era Cascol, eles não queriam, mesmo eu dizendo que poderia trabalhar de limpeza (fl. 730). (grifei).

Como se vê, as declarações da testemunha evidenciam a verdade nua e crua do que ocorre no mundo real dos fatos (primazia da realidade), muito distante da visão discriminatória e excludente que se imagina pesar sobre esse segmento de trabalhadores.

 De outro lado, de fato, a atividade de frentista em postos de gasolina implica riscos, mesmo que a pessoa com deficiência seja deslocada para atuar em serviço administrativa (caixa, escritório), pois esses ambientes funcionam integrados num mesmo espaço. Além disso, limitações físicas, auditivas, visuais podem inabilitar o candidato à vaga.

 Correta a inferência defensiva de que “não se pode compelir alguém a firmar contrato de trabalho” (fl. 232).

 Quanto a alegação autoral de que a empresa “é excessivamente rigorosa na seleção dos portadores de deficiência que lhe procuram em busca de emprego” e que “faz restrições que não se coadunam com a intenção de admitir pessoas com deficiência e/ou reabilitados em seus quadros, limitando o universo de interessados” (fl. 668), realmente, a assertiva é preocupante. Isso pode evidenciar uma recusa ao cumprimento da obrigação legal e configurar discriminação sujeita a sanções.

 Entretanto, não vislumbro que a empresa tenha adotado essa prática, pois inexiste demonstração nos autos de que ela, na seleção das PCDs/PNEs, impõe qualificações superiores àquelas mínimas exigidas dos trabalhadores sem deficiências – como elevado conhecimento em português e matemática (provas de maior complexidade) -, ou que exijam delas um passado imaculado (ficha limpa) sem que o faça em relação aos demais pretendentes a emprego.

 Não diviso a presença de discriminação a exigência empresarial da inexistência do nome do candidato a emprego no Sistema de Proteção ao Crédito (SPC) a ausência de processo criminal, seja ou não deficiente.

 Discriminação há se exigir de um e não exigir de outro, inclusive a  experiência anterior, ou não, na mesma profissão.

 Inviável ao Judiciário Trabalhista compelir uma empresa a contratar trabalhador com restrição de crédito na praça ou com processo criminal (ficha suja), seja ou não portador de deficiência, mormente para atuar em atividade com possibilidade de manusear numerário.

 Nesse contexto, entendo comprovado o fato impeditivo do direito do autor, alegado na defesa, pois demonstrada a ausência culpabilidade da reclamada em não atender integralmente a cota de empregados com deficiência a serem admitidos, na forma do artigo 93 da Lei 8.213/91.

 Isso não retira da reclamada a obrigação de envidar incessantes esforços para atender ao dispositivo legal, seja contratando pessoas com deficiência ou reabilitadas, seja repondo as vagas que surgirem com trabalhadores na mesma condição, até em função da responsabilidade social a que está jungido.

 O descumprimento deliberado da norma legal e a discriminação injustificada podem, a qualquer tempo, legitimar o Parquet a tomar as medidas cabíveis, inclusive o requerimento de dano moral coletivo.

 Portanto, indefiro os pedidos dos itens III.2.1 (obrigação de fazer), III.2.2 (obrigação de não fazer) e III.2.3 (obrigação de pagar dano moral coletivo)

 CONCLUSÃO

 Esses são os fundamentos pelos quais JULGO improcedentes os pedidos da Ação Civil Pública ajuizada MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO (MPT 10ª REGIÃO) em desfavor da CASCOL COMBUSTÍVEIS PARA VEÍCULOS LTDA, nos termos da fundamentação, que passa a integrar este decisum.

 Custas, pelo Autor, no importe de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), calculadas sobre R$ 1.000,000,00 (um milhão de reais), valor da causa, isentas, na forma do artigo 790-A, II da CLT.

Intimem-se as partes, sendo o Autor com a remessa dos autos, e a reclamada via procurador.

 Nada mais.

Encerrada às 17h05min.

 ERASMO MESSIAS DE MOURA FÉ

Juiz do Trabalho Titular

15/05/2015

 

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