É vedada à instituição credora a retenção de documentos escolares por motivo de inadimplência do aluno
O juiz federal CARLOS AUGUSTO TÔRRES NOBRE, em Mandado de Segurança individual, com pedido de liminar, impetrado contra ato do Reitor da Pontifícia Universidade Católica de Goiás – PUC Goiás visando obter os documentos de transferência e histórico escolar, que foram negados ao impetrante sob o argumento de que possui débitos pendentes com essa instituição de ensino superior, deferiu a liminar e determinou a entrega dos documentos necessários a sua transferência, com fundamento no parágrafo 2º do art. 6º da Lei 9.870, de 23.11.99, com as alterações promovidas pelo art. 2º da MP nº 2.173-24.
íNTEGRA DA DECISÃO
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE GOIÁS
Processo N° 0000013-70.2015.4.01.3504 – 3ª VARA FEDERAL Nº de registro e-CVD 00002.2015.00033500.1.00162/00136
PROCESSO : 13-70.2015.4.01.3504
CLASSE : 2100 – MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL
OBJETO : TRANSFERÊNCIA DE ESTUDANT- ENSINO SUPERIOR-
SERVIÇOS – ADMINISTRATIVO
AUTOR : ANDREY LIMA ANASTACIO
REU : REITOR DA PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATOLICA DE GOIAS – PUC GOIAS
ENTIDADE : PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATOLICA DE GOIAS – PUC GOIAS
Vistos etc,
Cuida-se de mandado de segurança individual impetrado por Andrey Lima Anastacio contra ato do Reitor da Pontifícia Universidade Católica de Goiás – PUC Goiás, objetivando, em sede de liminar, que seja determinada a liberação dos documentos necessários a sua transferência de instituição de ensino, a despeito da inadimplência para com as mensalidades do curso.
Alega que: a) cursou Arquitetura e Urbanismo junto à instituição de ensino reclamada no período de 2012 a 2014, sob matrícula nº 201220160165; b) com objetivo de se transferir a outra faculdade, o impetrante compareceu ao estabelecimento de ensino demandado e solicitou a entrega de seus documentos de transferência e histórico escolar, lhe sendo recusada a entrega destes, sob o argumento de que o impetrante possui débitos pendentes com instituição; c) irresignado, procurou o Procon – Goiás na tentativa de solucionar o seu problema; d) ocorre que o prazo máximo
para a realização de matriculas decorrentes de transferência na faculdade para a qual o impetrante pretende transferir é dia 23/01/2015, de forma que a espera de solução no âmbito administrativo se tornou inviável; d) o inadimplemento de qualquer obrigação contratual por parte do impetrante enseja apenas a possibilidade de cobrança da divida nos termos da lei civil, jamais podendo o estabelecimento de ensino reter ou deixar de expedir o documento escolar de direito do aluno, tampouco condicionar a emissão a assinatura de confissão de divida ou outro procedimento coercitivo; e) a negativa do impetrado caracteriza-se em ato ilegal.
Inicial instruída com os documentos.
Decido.
Defiro ao impetrante os benefícios da assistência judiciária gratuita.
O Mandado de Segurança é o remédio constitucional para proteger direito líquido e certo contra ilegalidade ou abuso de poder praticado por autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do poder público (CF, art. 5ª, LXIX).
Para o deferimento da liminar pretendida é mister a presença necessária e cumulativa de dois requisitos básicos, definidos doutrinariamente como periculum in mora e fumus boni juris (art. 7º, § 5º, Lei n. 12.016/2009). O primeiro refere-se à possibilidade de ineficácia da decisão caso se aguarde o processamento do pedido até o final, enquanto o segundo trata da plausibilidade jurídica do direito reclamado. Veja o aresto do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
MANDADO DE SEGURANÇA. PEDIDO LIMINAR. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO PERICULUM IN MORA E DO FUMUS BONI JURIS. INDEFERIMENTO. PEDIDO DE RESTAURAÇÃO DE PRAZO PARA REQUERER CONCESSÃO DE LAVRA.
- O deferimento de pedido liminar, em sede de mandado de segurança reclama a demonstração do periculum in mora, que se traduz na urgência da prestação jurisdicional no sentido de evitar que quando do provimento final não tenha mais eficácia o pleito deduzido em juízo, bem como, a caracterização do fumus boni iuris, ou seja, que haja plausividade do direito alegado que se consubstancie no direito líquido e certo, comprovado de plano, que fundamenta o writ. […]1
Alega o impetrante que a autoridade impetrada recusou-se a fornecer a documentação necessária para a transferência escolar, sob o argumento de existir parcelas em aberto.
O parágrafo 2º do art. 6º da Lei 9.870 de 23.11.99, com as alterações promovidas pelo art. 2º da MP nº 2.173-24, assim dispõe:
“Art. 6º. São proibidas a suspensão de provas escolares, a retenção de documentos escolares ou a aplicação de quaisquer outras penalidades pedagógicas por motivo de inadimplemento, sujeitando-se o contratante, no que couber, às sanções legais e administrativas, compatíveis com o Código de Defesa do Consumidor, e com os arts. 177 e 1.092 do Código Civil Brasileiro, caso a inadimplência perdure por mais de noventa dias.
- 2º Os estabelecimentos de ensino fundamental, médio e superior deverão expedir, a qualquer tempo, os documentos de transferência de seus alunos, independentemente de sua adimplência ou da adoção de procedimentos legais de cobranças judiciais”.
Assim, em face da legislação que rege a matéria, é vedado à instituição credora a retenção de documentos escolares por motivo de inadimplência de aluno.
Nesse sentido, os julgados:
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ENSINO SUPERIOR. INSTITUIÇÃO DE ENSINO PRIVADA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. ALUNA INADIMPLENTE. RETENÇÃO DE DOCUMENTOS NECESSÁRIOS À TRANSFERÊNCIA. DESCABIMENTO.
I – Estando o dirigente do estabelecimento de ensino particular no exercício de função delegada do Poder Público Federal, a competência para processar e julgar o feito é da Justiça Federal.
II – Afigura-se passível de correção, pela via do mandado de segurança, o ato da autoridade coatora que condiciona o fornecimento de documentos escolares à quitação de mensalidades em atraso, tendo em vista o disposto no art. 6º, da Lei nº. 9.870/99, que proíbe “a suspensão de provas escolares, a retenção de documentos escolares ou a aplicação de quaisquer outras penalidades pedagógicas por motivo de inadimplemento, sujeitando-se o contratante, no que couber, às sanções legais e administrativas, compatíveis com o Código de Defesa do Consumidor, e com os arts. 177 e 1.092 do Código Civil Brasileiro, caso a inadimplência perdure por mais de noventa dias.”
III – Ademais, na hipótese dos autos, deve ser preservada a situação fática consolidada com o deferimento da liminar postulada nos autos, em 26/07/2006, assegurando a expedição dos documentos retidos ilegalmente pela autoridade impetrada, sendo, no caso, desaconselhável a sua desconstituição.
IV – Remessa oficial desprovida.
ENSINO SUPERIOR. TRANSFERÊNCIA PARA OUTRA INSTITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR. ALUNO INADIMPLENTE. RETENÇÃO DE DOCUMENTOS. LEI Nº 9.870/99. IMPOSSIBILIDADE.
- A impetrante tem o direito de receber os documentos necessários para efetivar sua transferência para outra instituição de ensino, a despeito de sua situação de inadimplência, uma vez que não é permitido à instituição de ensino superior condicionar o fornecimento de documentos escolares à quitação de mensalidades em atraso, por expressa proibição legal, a teor do art. 6º, §1º da Lei nº. 9.870/99, neste sentido: “São proibidas a suspensão de provas escolares, a retenção de documentos escolares ou a aplicação de quaisquer outras penalidades pedagógicas por motivo de inadimplemento, sujeitando-se o contratante, no que couber, às sanções legais e administrativas, compatíveis com o Código de Defesa do Consumidor, e com os arts. 177 e 1.092 do Código Civil Brasileiro, caso a inadimplência perdure por mais de noventa dias.”. Precedentes deste Tribunal.
- Ademais, a instituição de ensino superior possui outros meios para cobrar eventual débito proveniente do não pagamento das mensalidades.
- Remessa oficial improvida. Sentença confirmada.
Presente o fumus boni juris, o periculum in mora advém do encerramento do prazo máximo para matrícula decorrente de transferência, no dia 23/01/2015 (hoje).
Em face do exposto, defiro a liminar para determinar a impetrada que entregue ao impetrante os documentos necessários à sua transferência até o dia 23/01/2015.
Notifique-se a autoridade impetrada para prestar as informações, no prazo legal. Dê-se ciência do feito ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada, nos termos do art. 7º, II, da Lei 12.016/2009.
Em seguida, ao Ministério Público Federal, retornando, após, conclusos para sentença.
Intimem-se.
Goiânia. Vide data de assinatura deste documento.
Carlos Augusto Tôrres Nobre
Juiz Federal