Jurisprudência
30 abr 15 09:15

INSTITUIÇÃO DE ENSINO NÃO É OBRIGADA A CONTRATAR UM PROFISSIONAL EXCLUSIVO PARA ATENDER ALUNO PORTADOR DE DEFICIÊNCIA AUDITIVA (F)

O Tribunal Regional Federal da Primeira Região deu provimento parcial ao recurso interposto pela Sociedade Regional de Educação e Cultura Ltda., em face de um Aluno portador de deficiência auditiva.

Na decisão da sentença, foi concedida ao Aluno a contratação de intérprete da Língua Brasileira de Sinas (LIBRAS) para o aluno ser acompanhado nas aulas do curso de Educação Física.

Inconformada, a Instituição de Ensino interpôs o recurso de apelação sustentando que não era aceitável a imposição para contratação de um profissional para atendimento de apenas um aluno para acompanhamento em tempo integral, pois poderia causar movimento ampliado, caso outros estudantes com necessidades especiais conseguissem o reconhecimento do mesmo direito.

Como se nota, a própria lei nº 10.098 estabelece normas gerais e critérios básicos para promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, o que não pode conduzir a interpretação da necessidade de contratação de um profissional exclusivo para atendimento a cada aluno, inclusive para atividades em sala de aula.

Além disso, dispõe o § 1º do art. 59 da Lei nº 9.394/96  que “haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola regular, para atender às peculiaridades da clientela de educação especial”, o que demonstra que o serviço deve estar disponível a todos os alunos, não existindo a obrigatoriedade determinada na sentença de fornecimento integral sem requerimento expresso do interessado.

Assim, entendeu a Quinta Turma do TRF que, não há razão para a instituição de ensino ser obrigada a contratar um profissional exclusivo para o atendimento para o aluno. Sendo assim, a segunda instância manteve a “obrigatoriedade de fornecimento do interprete, assegurando que a oferta do serviço estará condicionada à indicação de necessidade do aluno, pelo que poderá se restringir a algumas atividades ou a todo tempo em que permanecer na instituição, o que deve ser efetivado em cada matricula de semestre ou período letivo”.

Matéria elaborada em 29/04/2015 por Dr. Júlio Duarte – Ricardo Furtado & Associados (Dep. de Pesquisa Jurídica).




TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO

Numeração Única: 0000752-08.2009.4.01.4101

APELAÇÃO CÍVEL N. 2009.41.01.000752-0/RO

RELATOR                           :    DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO BATISTA MOREIRA

RELATOR CONVOCADO :    JUIZ FEDERAL EVALDO DE OLIVEIRA FERNANDES, FILHO

APELANTE                         :    SOCIEDADE REGIONAL DE EDUCACAO E CULTURA LTDA – SOREC

ADVOGADO                       :    JORGE RONALDO DOS SANTOS

APELADO                           :    CRISTIANO ADOLFO OENNING DA SILVA

ADVOGADO                       :    HELENA MARIA FERMINO

EMENTA

ENSINO SUPERIOR. ALUNO PORTADOR DE DEFICIÊNCIA AUDITIVA. APOIO DE INTÉRPRETE EM LÍNGUA DE SINAIS PARA ACOMPANHAMENTO DURANTE AS AULAS E DEMAIS ATIVIDADES ACADÊMICAS. POSSIBILIDADE.

  1. A Constituição relaciona como dever do Estado a oferta de educação escolar às pessoas que requerem cuidados especiais (CF, art. 208, III).
  2. O impetrante é deficiente auditivo, portador de surdez profunda bilateral derivada de sequela de meningite, pelo que necessita de intérprete em LIBRAS a fim de viabilizar o acompanhamento e desenvolvimento de seus estudos no curso de Educação Física.
  3. A LDB (Lei n. 9.394/96), em seu art. 58, § 1º, dispõe que “haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola regular, para atender as peculiaridades da clientela de educação especial”.
  4. O MEC, considerando “a necessidade de assegurar aos portadores de deficiência física e sensorial condições básicas de acesso ao ensino superior”, editou a Portaria nº 1.679/99, revogada pela Portaria 3.284/03, que incorporou em seu texto a obrigação de as instituições serem avaliadas no quesito acessibilidade às múltiplas hipóteses de deficiência por ocasião das inspeções de avaliação de oferta de cursos superiores, para fins de sua autorização e reconhecimento.
  5. Nem a lei e seus regulamentos, nem o entendimento jurisprudencial restringem ou determinam o acompanhamento de um intérprete em LIBRAS a um único aluno. O atendimento há de ser prestado acorde as necessidades específicas do estudante, podendo ser individual ou coletivo, dependente das informações prestadas pelo interessado/necessitado a cada semestre ou renovação de período letivo sobre a extensão de suas necessidades, se para todas as atividades acadêmicas ou se para apenas algumas, entre as quais a realização e revisão de provas.
  6. Apelação parcialmente provida para determinar que o serviço seja disponibilizado segundo a demanda do estudante.

A C Ó R D Ã O

Decide a Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 1a. Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, nos termos do voto do Juiz Federal Evaldo de Oliveira Fernandes, filho, relator convocado.

Brasília, 8 de abril de 2015.

 JUIZ FEDERAL EVALDO DE OLIVEIRA FERNANDES FILHO

   

RELATÓRIO

 O Exmº Sr. Juiz Federal EVALDO DE OLIVEIRA FERNANDES FILHO – Relator convocado:

Trata-se de apelação interposta pela Sociedade Regional de Educação e Cultura Ltda – SOREC, mantenedora da Faculdade de Ciências Biomédicas de Cacoal/RO, contra a sentença de fls. 179/182, que concedeu a segurança vindicada pelo impetrante CRISTIANO ADOLFO OENNING DA SILVA no sentido de determinar a contratação de intérprete da Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS para acompanhá-lo nas aulas do curso de Educação Física, no qual está matriculado.

 A liminar foi deferida pela decisão de fls. 121/123, em 23 de março de 2009, tendo sido cumprida.

A sentença confirmou a decisão liminar, determinando que a impetrada mantenha uma intéerprete de LIBRAS para o acompanhamento do impetrante em todas as atividades acadêmicas, inclusive em sala de aula.

Irresignada, a impetrada interpôs apelação sustentando que não é concessão ou delegação estatal, não se afigurando plausível a imposição de obrigatoriedade de contratação de um profissional para atendimento de apenas um aluno para acompanhamento em tempo integral, o que pode causar movimento ampliado, caso outros estudantes com necessidades especiais obtenham reconhecimento do mesmo direito.

Assevera que a Lei nº 10.098/00 estabelece normas gerais e critérios básicos para promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, o que não pode conduzir à interpretação da necessidade de contratação de um profissional exclusivo para atendimento a cada aluno, inclusive para atividades em sala de aula.

Afirma que o § 1º do art. 59 da Lei nº 9.394/96 dispõe que “haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola regular, para atender às peculiaridades da clientela de educação especial”, o que demonstra que o serviço deve estar disponível a todos os alunos, não existindo a obrigatoriedade determinada na sentença de fornecimento integral sem requerimento expresso do interessado.

Foram apresentadas contrarrazões pugnando pela manutenção da sentença.

O MPF, às fls. 267/268, opina pelo desprovimento da apelação.

É o relatório.

 JUIZ FEDERAL EVALDO DE OLIVEIRA FERNANDES FILHO

VOTO

O Exmº Sr. Juiz Federal EVALDO DE OLIVEIRA FERNANDES FILHO – Relator convocado:

O impetrante é portador de surdez profunda bilateral decorrente de sequela de meningite (deficiência auditiva). Para realizar seus estudos no curso de Educação Física, necessita do apoio de um intérprete em LIBRAS.

No tocante ao atendimento dessa necessidade, cumpre ressaltar que a Constituição define como dever do Estado a oferta de educação escolar às pessoas que requerem cuidados especiais (CF, art. 208, III).

No plano infraconstitucional, cumpre ter presente que a LDB (Lei n. 9.394/96), em seu art. 58, § 1º, dispõe que “haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola regular, para atender as peculiaridades da clientela de educação especial”, o que consta da Portaria n. 3.284/03 e é reiterado no Decreto n. 5.296/04.

 Interessante registrar que a Portaria n. 3.284/03/MEC, considerando “a necessidade de assegurar aos portadores de deficiência física e sensorial condições básicas de acesso ao ensino superior”, determina que nos instrumentos destinados a avaliar as condições de oferta de cursos superiores para fins de sua autorização e reconhecimento, deveria ser examinada a previsão e inclusão de requisitos de acessibilidade. Das exigências impostas, destaco:

Art 2º A Secretaria de Educação Superior, com apoio técnico da Secretaria de Educação Especial, estabelecerá os requisitos de acessibilidade, tomando-se como referência a Norma Brasil 9050, da Associação Brasileira de Normas Técnicas, que trata da Acessibilidade de Pessoas Portadoras de Deficiências a Edificações, Espaço, Mobiliário e Equipamentos Urbanos.

  • 1º Os requisitos de acessibilidade de que se trata no caput compreenderão no mínimo: (…)

(…)III – quanto a alunos portadores de deficiência auditiva, compromisso formal da instituição, no caso de vir a ser solicitada e até que o aluno conclua o curso:

  1. a) de propiciar, sempre que necessário, intérprete de língua de sinais/língua portuguesa, especialmente quando da realização e revisão de provas, complementando a avaliação expressa em texto escrito ou quando este não tenha expressado o real conhecimento do aluno;
  2. b) de adotar flexibilidade na correção das provas escritas, valorizando o conteúdo semântico;
  3. c) de estimular o aprendizado da língua portuguesa, principalmente na modalidade escrita, para o uso de vocabulário pertinente às matérias do curso em que o estudante estiver matriculado;
  4. d) de proporcionar aos professores acesso a literatura e informações sobre a especificidade lingüística do portador de deficiência auditiva.
  • 2º A aplicação do requisito da alínea “a” do inciso III do parágrafo anterior, no âmbito das instituições federais de ensino vinculadas a este Ministério, fica condicionada à criação dos cargos correspondentes e à realização regular de seu provimento.

Acrescente-se que em seguida às portarias do MEC, o Decreto n. 5.296/04, em seu art. 24, trata do ensino, disciplinando o atendimento nos seguintes termos:

Art. 24.  Os estabelecimentos de ensino de qualquer nível, etapa ou modalidade, públicos ou privados, proporcionarão condições de acesso e utilização de todos os seus ambientes ou compartimentos para pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, inclusive salas de aula, bibliotecas, auditórios, ginásios e instalações desportivas, laboratórios, áreas de lazer e sanitários.

  • 1o Para a concessão de autorização de funcionamento, de abertura ou renovação de curso pelo Poder Público, o estabelecimento de ensino deverá comprovar que:

        I – está cumprindo as regras de acessibilidade arquitetônica, urbanística e na comunicação e informação previstas nas normas técnicas de acessibilidade da ABNT, na legislação específica ou neste Decreto;

        II – coloca à disposição de professores, alunos, servidores e empregados portadores de deficiência ou com mobilidade reduzida ajudas técnicas que permitam o acesso às atividades escolares e administrativas em igualdade de condições com as demais pessoas; e

        III – seu ordenamento interno contém normas sobre o tratamento a ser dispensado a professores, alunos, servidores e empregados portadores de deficiência, com o objetivo de coibir e reprimir qualquer tipo de discriminação, bem como as respectivas sanções pelo descumprimento dessas normas.

  • 2o As edificações de uso público e de uso coletivo referidas no caput, já existentes, têm, respectivamente, prazo de trinta e quarenta e oito meses, a contar da data de publicação deste Decreto, para garantir a acessibilidade de que trata este artigo.

A jurisprudência desta Corte orienta-se pela obrigatoriedade de oferta do intérprete de LIBRAS, como pode ser conferido, entre outros, nos seguintes precedentes:

 

ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONTRATAÇÃO DE INTÉRPRETES PARA AUXILIAR ALUNOS COM DEFICIÊNCIA AUDITIVA EM ESTABELECIMENTO DE ENSINO SUPERIOR.

  1. Embora não haja dúvidas de que os estabelecimentos de ensino superior devem oferecer serviço de apoio especializado aos portadores de deficiência auditiva, sendo claro o art. 59 da Lei 9.394/96 ao dispor, em seu inciso III, que “os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com necessidades especiais professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para atendimento especializado”, não há exigência, na legislação que rege a matéria, de que ofereçam a esses alunos intérpretes em tempo integral, mesmo sem requerimento do interessado.
  2. Não se afigura razoável exigir que a Agravante contrate, em prazo exíguo, sob pena de multa diária, intérpretes para os seus alunos com deficiência, especialmente considerando que a Lei 10.172/2001, que aprovou o Plano Nacional de Educação, estabeleceu o prazo de cinco anos para implantar, e dez anos para generalizar, o ensino da LIBRAS para os alunos surdos e, sempre que possível, para seus familiares e para o pessoal da unidade escolar, mediante programa de formação de monitores, em parceria com organizações não-governamentais.
  3. Agravo de instrumento ao qual se dá parcial provimento. (AG 2004.01.00.037094-5/MG, Rel. Desembargadora Federal Maria Isabel Gallotti Rodrigues, Sexta Turma, DJ de 09/05/2005, p.88)

 

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ENSINO SUPERIOR. ALUNA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA AUDITIVA. PRETENSÃO DA ALUNA DE OBTER APOIO DE INTÉRPRETE EM LÍNGUA DE SINAIS, PARA ACOMPANHÁ-LA DURANTE AS AULAS E DEMAIS ATIVIDADES ACADÊMICAS. POSSIBILIDADE.

  1. É dever do Estado ofertar educação escolar às pessoas portadoras de deficiência (CF, art. 208, inciso III), propiciando, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola regular, para atender às peculiaridades dessa clientela (Lei 9.394/96, art. 58, § 1º). No plano infralegal, a Portaria/MEC nº 1.679/99, em vigor na época em que foi concedida a autorização para o funcionamento do curso de Fisioterapia ministrado pela Apelante, do qual a Recorrida é aluna, exigia compromisso formal da instituição de proporcionar, caso fosse solicitada, intérpretes de língua de sinais (art. 2º, parágrafo único, alínea “c”).
  2. Desse modo, a Apelada, que é portadora de surdez profunda bilateral congênita (deficiência auditiva) e que, em razão disso, tem tido dificuldades para acompanhar as aulas e demais atividades acadêmicas, deve ter o apoio de um intérprete em LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais, a fim de viabilizar a continuação de seus estudos no curso superior de Fisioterapia.
  3. Apelação e remessa ex officio improvidas. (AMS 2003.38.00.053317-2/MG, Rel. Desembargador Federal Fagundes De Deus, Quinta Turma, DJ de 24/02/2005, p.42)

Por outro lado, todavia, entendo que o apelo merece parcial provimento, pois não há razão para a instituição ser obrigada a contratar um profissional exclusivo para o atendimento ao impetrante. Basta ver que, se assim for, por vezes implicará detrimento de outros que frequentam a mesma instituição e demandam o serviço.

Sob essa perspectiva, penso que não se justifica, de plano, determinar-se o acompanhamento exclusivo do aluno requerente. Há de se medirem e avaliarem suas reais necessidades ante o contexto acadêmico e as exigências próprias que decorrerão de suas necessidades. Tanto o texto da lei, quanto os entendimentos jurisprudenciais que examinaram a questão, ao reconhecerem o direito dos deficientes e determinarem às instituições a contratação de profissionais especializados na Língua Brasileira de Sinais (LIBRA), determinaram sua disponibilização segundo a necessidade de cada aluno, a quem caberá indicar o seu grau de necessidade do auxílio, se integral ou apenas para algumas atividades.

Pelo exposto, dou parcial provimento à apelação para, mantendo a obrigatoriedade de fornecimento do intérprete, assegurar que a oferta do serviço estará condicionada à indicação de necessidade do aluno, pelo que poderá se restringir a algumas atividades ou a todo o tempo em que permanecer na instituição, o que deve ser efetivado em cada matrícula de semestre ou período letivo.

É como voto.

 JUIZ FEDERAL EVALDO DE OLIVEIRA FERNANDES FILHO

 

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